quinta-feira, outubro 3

o nós e os nós


















Quando te olho, não vejo um “você”, vejo um corpo. E mesmo essa visão é uma espécie de alucinação, porque ela só ocorre devido à presença de luz no filme dos sentidos. Sem luz, tem nada. A ideia de que deus seja luz é uma bela ideia, mas essa também já está corrompida. Os essênios não dizem que “deus é luz”, para eles deus é escuridão, é a ausência de tudo – o nirvana.

Nirvana significa, literalmente, “ausência de luz”. Quando não se pode discernir coisa alguma, quando tudo é uma e a mesma coisa. Isso é deus.

Por isso posso dizer que te olho e não vejo um “você”. O outro é uma ideia criada através dos sentidos, através da mente. No fundo não tem outro, não tem nada. E é nesse ponto que está o ‘agora’, na ausência de tempo, na ausência de qualquer possibilidade conceitual.

Experimente um pouco. Arrisque-se! Não pense e veja como é viver o agora. Solte o que passou a dez minutos atrás, solte inclusive a concepção que você tem a respeito de si. Desconceba-se! Comece por não saber quem você é. Porque todo saber, tal qual está posto até hoje, segue uma procedência da sua mente. Um livro só é um livro porque um dia alguém te disse. Mas, sem pensar, o que é aquilo?

A criança não diz ‘eu’ facilmente, ela demora, aos poucos ela constrói, e – diga-se de passage – só constrói porque exigimos essa construção. Há culturas que ao invés de reforçar a construção do “eu”, aplica o “nós”, por exemplo. Mas, aqui, nem mesmo no “nós” investiremos, pois onde houver “nós” há de haver nós. Então, renda-se ao agora como um solvente pacífico e entregue-se ao não saber, à ausência. 

Um comentário:

  1. "Quanto à música, depois de tocada para onde ela vai? Música só tem de concreto o instrumento. Bem atrás do pensamento tenho um fundo musical. Mas ainda mais atrás há o coração batendo. Assim o mais profundo pensamento é um coração batendo."
    (Do livro Água Viva - Clarice Lispector)

    Grata pelo acolhimento,
    Amptalla

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