[Regina Festa] Satyaprem, Osho dizia que depois que ele fosse, que seus discípulos – embora ele não gostasse de ter discípulos – deveriam procurar um outro mestre. E você esteve em contato com vários outros... Como isso aconteceu?
Aqui vou ser bem linear e literal. Houve um momento em que, para mim, era da mais absoluta clareza de que não havia necessidade de um outro mestre. Não havia mesmo! Mas me encantava. Eu sou um eterno apaixonado - vou ter que fazer esta confissão aqui. Sou um eterno apaixonado pela pergunta "quem sou eu?"
Para responder a sua pergunta, existe uma série de coincidências, que talvez sejam mais interessantes para os historiadores, ou para as pessoas que gostam de compreender as coisas em sequência... mas, vamos lá!
Logo no começo do meu sannyas, eu como estudante de jornalismo, tive uma tarefa dada por um professor de redação, enquanto estávamos aprendendo os formatos de escritura, que propôs que fizéssemos um perfil. Deveríamos escolher alguém interessante e fazer o perfil daquela pessoa – recolher, através de uma conversa, informações da pessoa escolhida e escrever um texto coerente. E eu decidi entrevistar um dos mais antigos sannyassins do Osho aqui no Brasil. Ele tinha uns oitenta e poucos anos na época e havia sido praticamente quem trouxe o Osho para cá, com o primeiro centro de meditação no Brasil. Seu nome era Gotama, tinha uma livraria no Rio Grande do Sul, e aceitou.
Enfím, tivemos a conversa, fiz o texto e aquele perfil foi muito elogiado. O professor, hoje um conceituado escritor gaúcho, disse: "Isso não é um perfil, isso é um livro. Eu quero ler o resto” e deu nota máxima com essa observação. Logo em seguida a esse episódio, depois da entrevista, o Gotama me deu de presente um pequeno livro, feito num formato bem artesanal, que vinha em páginas soltas dentro de um envelope preto e se chamava "The Ten Zen Bulls". Eu lembro que li aquilo e fiquei extremamente impactado com essa questão: quem sou eu?
Mais tarde, em 1985, na saída do Ashram, encontrei uma terapeuta do Osho, a Sudha, com quem fiz um grupo chamado "Satori", nos Estados Unidos, em Seattle, onde morei por um tempo. E naquele encontro eu tive o que poderíamos chamar de meu primeiro satori. Foi muito interessante, porque desde então a pergunta "quem sou eu?", e essa linguagem, se estabeleceram como extremamente íntimas para mim. Era um grupo de cinco dias, e no segundo ou terceiro dia, à tarde, a Sudha me chamou para uma entrevista pessoal - porque era assim que funcionava - e me perguntou: “Satyaprem, diga-me quem é você?”. Eu fiquei mudo. Eu estava simplesmente mudo. E fiquei olhando para ela. Ela disse: “Diga: 'eu sou o Bhagwan'” - que era como chamávamos o Osho na época -, e eu lembro que fiquei perturbado pela proposta que ela estava fazendo. Mas, naquele momento, ela tinha uma autoridade inquestionável para mim. E além da autoridade que ela tivesse, havia uma autoridade existencial naquele instante. Ela estava tentando me dizer algo que eu não compreendia e eu decidi então corresponder. Ou, de verdade, não posso dizer que decidi. Aconteceu, irrompeu de dentro de mim. Ela era muito forte, muito intensa, e de novo disse: “Quem é você?” - gritando. Então, quando ela deu aquele grito, eu disse: “Eu sou o Bhagwan”. E houve uma explosão.
[Regina Festa] Aquilo foi como um bambu zen em você.
Exatamente. Ela bateu no lugar certo. E assim que eu disse aquilo, ela começou a rir. Então rimos muito... Foi - como chamávamos - um bliss atack. Eu entrei num ataque de êxtase. Foi impressionante. E quando paramos de rir, ela ficou me olhando e disse: “Isso é você.” Eu estava ali, simplesmente olhando, sem compreensão nenhuma, de verdade. E ela me perguntou: “O que você acha desse processo?” Não sei por que ela fez essa pergunta, mas a minha resposta foi: “É a coisa mais inteligente que já vi na minha vida”. Foi um caso de amor... Depois tem várias sequências, onde tivemos experiências, juntos, que me apontaram exatamente para onde eu tinha que ir.
A Sudha disse não ter visto, até então, ninguém tão "iluminado" dentro daquele processo. Aliás, nem fora nem dentro do processo - ela disse com essas palavras. Eu, naquele momento de aturdimento e paixão pelo processo, não posso dizer que estava "me sentindo iluminado", mas estava, com certeza, absolutamente em outro "planeta". Era impressionante! Então eu disse que gostaria de aprender aquele trabalho. E ela me disse: “Esse trabalho não tem como aprender. E se você quer a minha opinião: você tem o que é essencial para o trabalho. Você sabe aonde que o trabalho termina.
Os “Dez touros Zen” e a pergunta “Quem sou eu?”, estavam presentes no processo do Satori e naquele período também compreendi que havia uma grande intimidade, e até cumplicidade, do Osho com o Ramana Maharshi, no sentido da descoberta de "quem é você". Porque, no frigir dos ovos, tudo o que importa é despertar para sua verdadeira natureza, para quem você é de verdade. Nenhuma outra coisa importa. Todo o circo que se arma ao redor disso, talvez seja apenas pela necessidade que tenhamos em permanecer, pelo menos com um certo nível de proximidade, frente a esse abismo que é a pergunta. Porque a pergunta, se ela tocá-lo com profundidade suficiente, deixa de atuar como uma pergunta, e atua como uma resposta. Ela entrega a você o que você estava buscando.
Nem todos estão prontos para se deparar com esta questão de uma forma total, completa. Precisa um pouquinho de sede e maturidade. Mas, concluindo, apesar de ter achado o seu primeiro livro, de uma linguagem muito distante, um tanto incompreensível na época, desde então senti uma grande cumplicidade com o Ramana Maharshi. E, claro, passei a averiguar um pouco mais de perto o que ele tinha de tão especial para o Osho.
A partir daí, a pergunta "Quem sou eu?" não descansou.
[Regina Festa] A pergunta ficou?
Sim, a pergunta ficou. E, claro, a resposta ficou. De alguma maneira houve uma fusão interna nesse sentido. E esse foi o único impulso que me levou a todos os outros mestres com quem estive.
* Em entrevista à Regina Festa, São Paulo, agosto 2009.
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